SUPERBIKE BRASIL: Estão acabando com o motociclismo esportivo no Brasil




Denúncia da equipe de Alex Barros envolve o Superbike Brasil em escândalo internacional.

Nesta semana veio à tona mais um escândalo envolvendo o Superbike Brasil. Trata-se de um protesto da equipe Alex Barros Racing contra a Honda pilotada por Eric Granado, que foi aberto há três meses e transformou-se em mais uma mancha para o motociclismo esportivo em nosso país.

Já comentado pelo irmão de Alexandre e também comentarista do canal BandSports, César Barros, a história parte de uma análise envolvendo uma irregularidade no motor do modelo CBR 1000 RR Fireblade 2018 de Eric. Foram apuradas divergências nos tamanhos das bielas, além de dois documentos falsificados que, na ponta final, são objeto de análise do departamento jurídico da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) e colocam suspeita sobre a organização da categoria.

Assim como César já havia mencionado, estão também envolvidos no caso: o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), que passou a fazer as vistorias da categoria na condição de “entidade terceira independente e isenta” meses antes dos acidentes fatais de 2019; a CBM (Confederação Brasileira de Motociclismo), que passou a se aproximar do campeonato “em prol da motovelocidade”, e o STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva), que havia julgado o protesto e dado como improcedente, mantendo a vitória de Granado na corrida de Goiânia em outubro.

Como tudo aconteceu…

Logo após a rodada dupla de Goiânia, em 20 de outubro, a equipe de Alex Barros apresentou o protesto contra a moto de Eric Granado. Diz o regulamento técnico geral do Superbike Brasil, em versão atualizada em 8 de março, que “todas as motocicletas aceitas no campeonato devem ter a motorização original do fabricante e ser comercializadas para uso urbano por representantes da referida marca com rede de assistência técnica no território nacional”.

Em uma circular oficial emitida em 18 de março ― dez dias depois, portanto ―, a categoria informou que “pistões, bielas e virabrequim serão os únicos 3 itens internos do motor que estarão sujeitos a vistoria mediante protesto/recurso, e deverão seguir as mesmas regras da FIM para o Mundial de Superbike”.

Embora avise que o texto original da FIM “está sendo cuidadosamente traduzido”, o comunicado traz o trecho em inglês e, ao menos até a presente data, o regulamento técnico específico da categoria SBK Pro 1000cc não consta no site.

A FIM, por sua vez, disponibiliza o regulamento completo no site e, no item 2.5.8.9, que fala sobre as bielas, a peça que conecta o pistão do motor ao virabrequim, diz que “a biela pode ser alterada ou substituída pela montada na motocicleta homologada”, que “o peso deve ser igual ou superior à peça homologada original”, e, por fim, que “o peso do conjunto da biela é o peso homologado (do peso da haste do peso médio) com uma tolerância de ±3%”.

Três dias depois da corrida, a moto #51 de Granado passou por uma vistoria na unidade do Ipiranga, onde fica a Escola de Mecânica, do SENAI. A análise foi feita por Gabriel Cavaggioni, responsável-técnico do SENAI, que se resumiu a realizar medições e apresentar os resultados. A instituição avaliou os componentes da moto e comparou com as referências. Não coube ao SENAI, tampouco a Cavaggioni, a função de ratificar ou não o cumprimento do regulamento e/ou a legalidade da moto.

O resultado apontou que as bielas da CBR de Granado estavam abaixo do peso de referência, 328 g, mas dentro do nível de tolerância. Os números apresentados foram 327,35 g, 326,14 g, 326,01 g e 327,60 g. No caso das medidas, um anexo do regulamento da FIM para o Mundial de Superbike determina que o comprimento da biela deve ser de 104,5 mm, com tolerância de ±0,1. A medição feita pelo SENAI constatou que todas as bielas estavam acima da tolerância: 104,82 mm, 104,72 mm, 104,84 mm e 104,79 mm.

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De posse do relatório do SENAI, a CBM seria a responsável pelo veredito e concluiu que, mesmo com os números apontando irregularidade, “a entidade apenas ratifica o que os documentos mencionados não deixaram dúvida de que o motor vistoriado não apresenta nenhum item e divergência às especificações do regulamento e referências”.

A CBM admitiu uma “micro variação” que “excede a tolerância da ficha técnica”, mas, mesmo assim, que “não pode ser interpretada como irregularidades ou a compreensão de que não são bielas originais, já que suas outras referências (peso e material) estão em conformidade, e a variação máxima atestada de + 0.2 mm, embora exceda a tolerância da ficha técnica, separadamente não pode ser interpretada como irregularidade conforme circulares de vistoria técnica da FIM em detrimento dos aspectos já aqui descritos”. A entidade alegou que não poderia haver uma irregularidade porque “a variação ínfima de +0,1% pode ser proveniente de inúmeros fatores na apuração das informações, algo previsto nos procedimentos de vistoria da Federação Internacional de Motociclismo”.

Assim, a conclusão técnica da confederação era de que a moto de Granado estava em conformidade com o regulamento.

“Para se obter ganho de potência, é necessário definitivamente usar bielas sensivelmente mais cumpridas, sensivelmente mais leves, e obrigatoriamente de outro material, as quais fariam parte de um conjunto de pistões sensivelmente mais leves e completamente fora da medida (saia baixa). O que ficou explícito não existir. As medições foram feitas dentro dos critérios corretos, sendo que uma biela não tem como estar com o peso e material correto, e em razão de uma micro variação de medicação, ser atribuída como irregular”, alegou.

A equipe de Barros, porém, não concordou com a conclusão da CBM e recorreu ao STJD. Aí começou o embate. No julgamento, um novo documento foi anexado ao processo, supostamente elaborado pelo SENAI. Em termos de layout, a diferença entre o laudo da medição e esse novo documento é gritante, mas, mesmo assim, foi usado como parte da avaliação dos juízes do STJD.

Datado de 27 de novembro e endereçado à CBM, o “documento”, que diz ser uma resposta ao “questionamento do laudo técnico emitido por esta entidade”, defende que os testes realizados no SENAI foram:

  1. a) performados dentro de parâmetros e referências internacionais, sempre amparados por dados do órgão máximo do motociclismo mundial, a FIM;

(…);

  1. d) desta forma, o SENAI, ainda que através da CBM, pactua e anui com a interpretação feita pela CBM;

(…);

  1. h) sendo assim, a CBM não contrariou o laudo emitido por esta casa (conforme atestado pelo protestante), já que como dito, dados precisam ser interpretados, e a interpretação está correta. A moto está em condições regulares frente ao regulamento técnico.

Ao fim do documento, consta o nome de Gabriel Cavaggioni como autor, mas não há nenhuma assinatura, carimbo ou qualquer endosso do responsável técnico do SENAI. Derrotado no tribunal, Barros decidiu abandonar o campeonato, não participou da última etapa, em Interlagos e facilitou o caminho de Granado ao título, já que era o único rival do também piloto da MotoE.

O advogado da equipe de Alex, Luciano Alvarez, procurou o diretor da Escola e Faculdade SENAI Conde José Vicente de Azevedo, João Domingos Chiari Sanchez, para saber da veracidade do documento endereçado à CBM. O diretor emitiu uma declaração negando que a entidade o tivesse produzido e confirmou tal informação.

Por meio de um memorando, o advogado afirmou que a equipe Alex Barros Racing desconhecia “a autoria do documento ‘Declaração Técnica’, uma vez que a deliberação sobre os aspectos de atendimento, ou não, ao regulamento cabia à comissão organizadora”.

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O SENAI se limitou a dizer que “foi apenas contratado para fazer a medição de componentes do motor e apresentar os resultados. Todo o processo foi acompanhado pelo corpo técnico das equipes envolvidas e pelo comitê organizador”.

Após as queixas públicas feitas por Cesar Barros, irmão de Alex e chefe da equipe, o SuperBike Brasil publicou, em 12 de dezembro, uma nota de esclarecimento, onde diz que tal ‘documento’ era um “rascunho” que “indevidamente” foi anexado ao processo, mas que “isso não faz com que o documento seja falso”. “A falta de assinatura apenas determina que o texto ali proposto não havia sido “ainda” chancelado pelas partes envolvidas. Não obstante, acreditamos que esses documentos em questão em nada interferiu [sic] no curso do julgamento”, explicando.

Ainda, o SuperBike tornou a dizer que as “custas recursais não foram pagas pela parte protestante, o que conforme condições regulamentares do campeonato, homologadas pela CBM, anula ou cancela a vistoria, seus desdobramentos, assim como qualquer propositura, questionamento ou reinvindicação [sic] em relação ao tema”.

A organização do SuperBike Brasil não respondeu aos questionamentos sobre a autoria do rascunho e sobre as circunstâncias em que este papel foi adicionado aos autos do STJD. Gabriel Cavaggioni, de férias, o funcionário do SENAI, pediu que os contatos fossem feitos com João Sanchez. Cesar Barros, por sua vez, afirmou que as custas do recurso foram devidamente quitadas, alegando, inclusive, “que o processo não teria avançado como avançou sem isso”.

Involuntariamente envolvido na polêmica, Eric Granado apenas salientou que essa é uma questão para ser resolvida entre a CBM e o SuperBike Brasil, lamentando a ausência de Alex na última corrida.

A Honda alegou ao GP que “segue rigorosamente” todos os regulamentos e disse que desconhece “os desdobramentos” do processo.

“Os resultados consistentes ano após ano demonstram o profissionalismo, seriedade e respeito ao esporte a motor no Brasil, formando pilotos e incentivando o desenvolvimento do motociclismo nacional em suas diversas categorias”, disse em nota.

“Em relação à 7ª etapa do campeonato SuperBike Brasil de motovelocidade, ocorrida em 21/10/2019 em Goiânia/GO, após a prova, a equipe Honda Racing foi informada pela organização a respeito de um recurso para vistoria técnica da motocicleta do piloto Eric Granado. A motocicleta foi prontamente disponibilizada para a organização para as devidas verificações com o nosso acompanhamento, conforme estabelece o regulamento. A partir de então, desconhecemos os desdobramentos deste processo, uma vez que a equipe não faz parte do mesmo. Após todos os trâmites, o resultado da prova foi mantido”.

Alex Barros não se manifestou por estar desapontado com os rumos do esporte no Brasil.

A história ganha um novo capítulo com a contribuição da FIM. Paul Duparc, coordenador da Comissão de Corridas em Circuitos, não comentou a parte técnica, mas mostrou a insatisfação da FIM com o campeonato.

“Como vocês devem saber, a FIM não é responsável pelo SBK Series Brasil. Ainda, este campeonato foi objeto de informação falsa e, acima de tudo, de documentos falsificados, que dizem respeito à FIM. Quaisquer questões sobre este assunto estão nas mãos de nossos serviços legais.”

Porém, descobriu-se que os “documentos falsificados” não dizem respeito ao SENAI, mas à própria FIM. Quando o recurso foi levado ao STJD, o advogado da CBM contava com um documento assinado por Charles Hennekam, Coordenador da Comissão Técnica Internacional da FIM, para atestar a correção da conclusão da confederação nacional.

O tal documento se apresentava como uma “resposta à consulta formal da CBM” e questionava a medição feita pelo SENAI, afirmando, entre outras coisas, que “claramente ou a ferramenta ou o manuseio eram imprecisos”. Além disso, o texto declarava que as peças estavam “em conformidade com o regulamento de motor da FIM, o mesmo regulamento da SBK brasileira”.

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Só que essa declaração NUNCA foi feita pela FIM tampouco por Hennekam!

Hennekam disse:

“Já informei ao nosso departamento legal e à CBM sobre essa carta falsa. Eu não me envolvi neste caso e não escrevi essa carta”, frisou. “E, para sua informação, nós (FIM) não tratamos ou nos envolvemos em casos ou disputas esportivas/técnicas ‘nacionais’. Isso segue sendo responsabilidade das federações nacionais”, completou.

A FIM, por meio de sua assessoria de imprensa, também negou relação com o caso.

“No contexto da disputa nacional referente o Campeonato Brasileiro de Superbike, a FIM certificou que o suposto ‘documento FIM’ produzido neste procedimento era um documento falsificado”, declarou.

A entidade também emitiu uma declaração similar à do advogado da Alex Barros Racing.

A CBM, na figura do presidente Firmo Henrique Alves, respondeu o seguinte sobre os fatos:

“Enviaram uma pasta digital com tudo que havia sobre o caso Eric Granado/Alexandre Barros, e nós mandamos para nosso advogado”, seguiu.

Firmo negou ligação da CBM aos documentos, sobretudo aquele atribuído à federação internacional.

“A FIM não me mandou nenhum documento. Nossa homologação sobre a vistoria do SENAI foi em cima do que a gente entendeu que não aumentaria a potência do motor de Eric Granado. Foi nossa homologação e linha de defesa para que o piloto não fosse penalizado. Da nossa parte isso não existe. Se a FIM disser que sim, como disse o César Barros, vai ter que provar”, completou.

Sobre a inclusão do SuperBike Brasil sob o guarda-chuva da CBM, algo impensável há pouco tempo, Firmo justificou que a confederação entrou em 2019 de maneira emergencial para que o campeonato não parasse de vez após os acidentes fatais dos meses anteriores.

“Sem a CBM, o campeonato não continuaria em 2019”, disse. “Contudo, como a temporada já estava em curso, a CBM faria somente o papel de observadora pelo resto do ano, de modo a não mudar o regulamento em curso.” Em 2020 é que, segundo o dirigente, o órgão irá fazer valer o lado técnico da homologação.

O dirigente reafirmou que não vê motivos para punição de Granado apesar dos números do SENAI apontarem o contrário, e acredita que, mesmo sem os documentos falsos enviados no processo, o STJD definiria a favor do laudo da CBM.

“O STJD levou em conta foi o documento feito pela CBM. O julgamento não foi sobre a corrida, mas sobre o julgamento do técnico do SENAI. Nós, CBM, fizemos um documento constatando que o que deu de diferença na moto do Eric Granado não muda a potência”, salientou.

O comunicado de imprensa que a CBM produziu e divulgou em paralelo à entrevista, afirma ainda que “a organização do SBK, confiando em Alexandre Barros, realizou a vistoria [da moto], mesmo com o recurso não sendo feito o provimento [sic], obviamente na confiança de ele ser feito posteriormente” e completou que “tal pagamento nunca aconteceu, sendo assim esse recurso se torna deserto, perdendo todo seu efeito por falta do cumprimento dos pressupostos para representação, não sendo possível sequer o conhecimento do seu mérito”.

Documentos mostram que o formulário de recurso do SBK aparece assinado por Cesar Barros e pela secretaria do SuperBike, conta com o motivo da reclamação, a data de 20 de outubro de 2019 e a taxa recolhida de R$ 15 mil. Comprovada a fraude nos documentos, a Alex Barros Racing afirmou que vai à justiça ainda nesta segunda-feira (20) para tentar a anulação do julgamento no STJD.


FONTE: MCB (LINK DA MATÉRIA)