Não costumo escrever na primeira pessoa, como advogado fui treinado a escrever sempre em nome de alguém, mas no caso desse relato não dá para tentar passar a emoção de uma experiência sem assumir e se expor.
A sensação é que fui a um alfaiate, daqueles renomados que tiram suas medidas, fazem o primeiro corte, você fica na expectativa se o terno vai ficar bem e quando lhe entrega para a prova, a roupa veste perfeitamente, encaixa tudo, nada aperta, nada repuxa, tudo é perfeito e te surpreende.
Não sou especialista técnico em motos, daqueles que testa ou já possuiu dezenas de modelos, mas sou motociclista há mais de 30 anos e experimentei muitas sensações, percorri milhares de quilômetros por estradas asfaltadas perfeitas, esburacadas, abandonadas, de terra, trilhas e desertos. Mas ao subir na CRF 1000 AfricaTwin senti algo novo, estranho, como se aquela moto tivesse sido “costurada” sob medida: tudo se encaixa, posição do guidom, altura, comandos, conforto, uma sintonia.
Dei na partida e aquela acelerada básica ainda em neutro para sentir a pressão … o motor “escorregou” sob o assento, macio, silencioso. Estava eu mesmo sobre uma máquina de mil cilindradas e mais de 90cv de potencia?
Na primeira sexta-feira do ano, fui convidado pelo Grupo Star, que tem três concessionárias Honda para o estado do Acre, para um teste ride, ou melhor, um super teste dessa máquina, pilotando desde Rio Branco, Acre, a Porto Velho, Rondônia, viagem que já fiz algumas dezenas de vezes. Me foi entregue o modelo zero km completo para viagem, com baús, bolha alta e cavalete central para essa que foi a primeira viagem dessa “lenda” por estrada no Norte do Brasil.
O percurso total de Rio Branco a capital rondoniense é de pouco mais de 500km, pela BR 364, estrada federal de qualidade duvidosa pelos buracos e ondulações frequentes na pista. Tive a honra de ser acompanhado e de acompanhar 18 outros motociclistas em suas TransAlps, Shadows, CB, Varadero, Goldwing e outros modelos.
Estamos na época do chamado “inverno amazônico” e já nos primeiros quilômetros fomos abençoados por uma chuva com intensidade de tempestade, adoro. Pense numa delícia que é pilotar na chuva e com aquela sensação de segurança que nunca antes havia experimentado: um controle de tração em três níveis que permite acelerar a vontade, sem medo de ser feliz, encarando a lâminas d’águas que se acumulam na pista e as curvas molhadas com a rotação do motor lá pelos 4 mil giros!
A bolha alta transparente realmente protege e permite pilotar, inclusive, com o capacete articulado aberto e o que sob chuva ajuda na visibilidade.
Piloto há três décadas e acumulo milhares de quilômetros numa big trail com freios ABS, mas o conjunto freio e suspensão da África surpreende mesmo para quem já está costumado com essa tecnologia. Pode meter a mão (e um pouquinho de pé, se preferir) sem medo que a moto suavemente vai parar/reduzir como nenhuma outra.
A BR 364 entre Rio Branco e Porto Velho tem incontáveis buracos em trechos anunciados (“estrada em recuperação nos próximos 10km”) e outros que surgem do além, de repente. Aproveitei e fiz um teste quase off-road, pilotando por vezes em pé, freando forte, desviando em zig-zag. Que maravilha! – falei em voz alta sob o capacete, como se meus companheiros de viagem pudessem escutar. Em alguns momentos forcei saídas e subidas pelos desníveis do acostamento e a suspensão nem se denunciava, parecia que estava numa autopista daquelas perfeitas.
Confesso que experimentei propositadamente uma meia dúzia de buracos para “escutar” minha coluna e ela permaneceu muda. Buracos para a África são quase inexistentes.
Amo curvas e retomadas. As existentes para Porto Velho são praticamente todas de alta, mas ainda assim pude me surpreender com a ciclística desta moto que permite você acelerar e deitar até seu limite e olha que o meu é ali, pertinho do chão. Aproveitei o trânsito de algumas carretas e camionetes na estrada para testar a potencia nas ultrapassagens, segurança total.
Entre Rio Branco e Porto Velho cruzamos de balsa o rio Madeira, momento que a África se encontrou com a Amazônia.
Em alguns momentos compartilhei a “lenda” com alguns companheiros de viagem, enquanto pilotava suas motos, o que permitiu ainda mais avaliar a África comparativamente. E não tenho dúvidas, se em 2016 a CRF 1000 AfricaTwin foi eleita a moto do ano pela imprensa especializada, em 2017 será a escolhida pelos motociclistas exigentes que realmente querem uma experiência inovadora e viajar sob qualquer condição e terreno. Eu já escolhi!
* Cassiano Marques é motociclista desde 1984, fundador da Federação de Motociclismo do Estado do Acre, idealizou e realizou o Rally Bolpebra, evento que também competiu em sua última versão, participou de dois Rally dos Sertões, realiza as expedições batizadas de Interoceânica que são grandes viagens pela América do Sul e realiza anualmente em Rio Branco o Amazônia Motorcycles.
FONTE: ACREAOVIVO.COM